terça-feira, 24 de julho de 2012

A lucidez perigosa...


A lucidez perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.


Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.


Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada í irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.


Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possí­veis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Autor: Clarice Lispector

3 comentários:

Penélope disse...

Eu às vezes prefiro esquecer a lucidez em determinadas ocasiões...
Um belo poema, minha querida!! Grande abraço

Poeta Mauro Rocha disse...

Clarice é a tempestade de letras que nos deixa assim...Serenos.

Ótimo texto.

Tenha um ótimo fim de semana.

Ani Braga disse...

Bom dia Déia querida

As vezes o melhor mesmo é esquecer a lucidez e somente sonhar...
Clarice uma descoberta boa em cada novo poema que leio.

Beijos
Ani